sábado, 7 de fevereiro de 2015

O poder transformador da avaliação




Teci algumas considerações sobre a importância da avaliação no processo de ensino-aprendizagem a partir da experiência que tive como professora, a fim de que possamos refletir sobre o papel da escola e do professor enquanto agentes transformadores da sociedade.

O poder transformador da avaliação

Educar é um processo complexo que transcende o simples ato de ensinar, de transmitir conteúdos. Na escola, cabe ao professor essa honrada, porém árdua missão.



Não sem atropelos, o processo de ensino-aprendizagem se desenvolve. E para detectar as falhas desse processo, nada mais coerente que voltar os olhos para a avaliação. Mas o que é avaliar?

A avaliação é um sistema amplo que não se restringe apenas em testar ou medir o conhecimento do aluno através da figura de um professor-juiz. Ser um professor-juiz é pecar no sacerdócio pedagógico, como se o professor fosse o único com poderes e competência para aprovar ou reprovar alunos e, consequentemente, o único responsável pelo fracasso do aluno. Porém, mal sabe ele que se posicionando como tal, nada mais é que um fantoche, um intermediário escolhido pela sociedade para repassar à escola os valores da classe dominante, inclusive quando se propõe a avaliar as atividades dos alunos. A avaliação acaba se tornando um instrumento de controle, feita na base de critérios unilaterais, restritivos e autoritários, funcionando apenas como mais um instrumento de perpetuação de valores da classe dominante (ideologia democrático-burguesa pregando o individualismo, via cisão do homem-trabalhador e cidadão-, visando seu enfraquecimento político como agente transformador da realidade). Na concepção dos detentores do poder, quanto maior for o índice de reprovação, melhor, porque isso vai desestimular o aluno a querer continuar estudando; em contrapartida, quanto maior for o índice de aprovação de alunos que, na verdade, não estão aptos, melhor ainda, pois estar-se-á formando um contingente de eleitores que não sabem pensar criticamente, portanto, facilmente persuadidos pela retórica dos políticos. Felizmente vem surgindo uma corrente de educadores que vislumbram na avaliação uma outra função, mais democrática: a função diagnosticadora, o que permitirá apontar caminhos para tornar a escola melhor.




Como já foi dito, a avaliação não deve ser utilizada simplesmente para testar ou medir conhecimento. Ela deve ser vista sob o prisma de um processo interpretativo que não só prioriza dados quantitativos (numéricos) como também dados qualitativos. Os critérios de julgamento de que o professor lança mão, devem ser coerentes com seus objetivos educacionais. Certamente ficar restrito apenas à nota que o aluno tirou em um exame escrito, seria camuflar qualquer julgamento sério de valor.




Avaliar não é um ato solitário do professor. Avaliar é um ato de conjunto. Para isso é necessário que haja um espaço na escola para se estabelecer um diálogo entre professor, aluno, pais, equipe pedagógica e administrativa. É desta inter-relação que surge a avaliação como processo interpretativo capaz de detectar e ainda sanear as verdadeiras falhas do processo de ensino-aprendizagem. Por isso, o professor, ao planejar suas aulas, tem de ficar atento à importância dessas pessoas como agentes contribuidores na formação educacional do aluno, exigindo deles sua parcela de responsabilidade e atuação nesse processo. A partir dessa visão de conjunto e de multilateralidade, não se pode mais querer só culpar o professor pelo baixo rendimento escolar do aluno.



No tocante ao aluno como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem, cabe a ele se autoavaliar. Mas para isso, a ele devem ser oferecidas condições de fato. O professor deve informar o aluno sobre o que e como ele está sendo avaliado. Só assim o aluno poderá avaliar o próprio desempenho e, com base nisso, propor-se metas para superar suas dificuldades. Daí a importância de se propiciar ao aluno um momento de reflexão, pois, na medida em que o aluno expõe suas dificuldades para o professor, torna-se mais fácil o professor estabelecer o liame entre o que ele esperava do aluno e o que o aluno lhe deu como retorno. Note-se que na consecução dos objetivos educacionais, havendo falha no comprometimento de qualquer das partes integrantes do processo de ensino-aprendizagem ou, ao contrário, havendo profundo entrosamento entre elas, implicará o fracasso ou sucesso da construção do conhecimento (”lato sensu”) do aluno.

Quando se restringe a avaliação em seu aspecto quantitativo apenas, questiona-se: nota, para quê? Se o saber não é mensurável, por que continuar se utilizando deste instrumento de repressão?





O cerne desta questão certamente está numa ideologia assentada numa escola reprodutora da sociedade, em todas as desigualdades e, consequentemente, reprodutora de um Estado autoritário que, através do Legislativo, dita leis (como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases) incongruentes com a real necessidade pedagógico-educacional. O Estado, querendo ter um controle do nível de ensino, apela para o meio mais simples de ser registrado e visualizado tal nível, utilizando-se de índices e gráficos embasados em “notas”. E diante dessa parafernália, os inspetores de ensino acabam assumindo a função de advogados do diabo, se vendo obrigados pela lei a cobrar dos professores uma avaliação dos alunos em forma de notas. Assim a nota se traduz no mais perfeito símbolo-instrumento do autoritarismo, indicando não quanto ao aluno adquiriu de conhecimentos, porque este não comporta mensurações, mas sim o quanto o aluno foi capaz de “memorizar” (decorar) o que o professor ensinou.




Uma outra causa deste apego por uma avaliação através de notas é a comodidade e facilidade em se estabelecer parâmetros avaliativos numéricos: cada certo vale “x”, cada errado desconta “y”, e “x” menos “y” será igual ao que o aluno conseguiu aprender durante um certo período. Será que por essa equaçãozinha dá para perquirir o quanto de fato um aluno aprendeu? Repetindo Charles Chaplin: “Não sois máquinas, Homens é que sois”. Uma prova escrita é insuficiente para se averiguar o rendimento real do aluno. É preciso interpretar o desempenho do aluno nesta prova escrita, de acordo com as possibilidades desse aluno e o seu desempenho durante um certo espaço de tempo, como o seu desempenho em outras atividades que não sejam necessariamente escritas. É salutar que se tenha uma visão global do desempenho do aluno, inclusive para possibilitar uma análise interdisciplinar das dificuldades apresentadas pelo aluno no processo de ensino-aprendizagem.


Eu, como professora, em momento de integração com meus alunos na Escola Municipal Presidente Costa e Silva de Uberlândia em 1993.


Há professores tão corrompidos pelo sistema econômico-social vigente que sentem prazer em serem considerados os “bichos-papões” da escola, não só pela sua postura autoritária em termo de disciplina, mas também pela sua postura autoritária em termos de avaliação: “comigo é assim – se conversar na minha aula, mando pra fora, tiro ponto, e, se o aluno não se sair bem na prova, eu reprovo mesmo!” Ora, rigidez disciplinar ou rigidez na atribuição de notas pelo professor não atesta a sua competência: é apenas uma prática autoritária que, a curto prazo e sem desgastes para o professor (o que já não se pode dizer o mesmo em relação ao aluno – o mais lesado na prática do autoritarismo na escola), “resolve” a questão do comportamento e rendimento, ou melhor, produtividade do aluno (aluno assim visto não como pessoa capaz de se apropriar do conhecimento e articulá-lo, pois não se lhe oferece meios para isso, mas como objeto, produto de um conhecimento abstrato, imposto, sem sentido para ele).




Desmistificando a conjugação saber abstrato e linguagem escrita, não se deve tirar o mérito da escrita no papel do aprendizado, pelo contrário. O saber crítico, diferentemente do saber abstrato, só se constrói na medida em que se busca transformar os alunos em leitores. Enquanto está-se alfabetizando o aluno, é preciso leiturizá-lo, ou seja, ensiná-lo a transcender a simples transcrição de letras, palavras, frases, ideias e pensamentos. É preciso ensiná-lo a pensar, a buscar por si mesmo o conhecimento. Ir ao encontro da linguagem escrita é estimular operações intelectuais de abstrações e construções teóricas, indispensável para a reflexão e a manipulação de conceitos. 





Aí entra a questão da produção de textos sobre a realidade do aluno. É nesse intercâmbio entre o conhecimento abstrato dos textos escritos que lhe são oferecidos para ler e o fato de lhes ser cobrado a produção de textos sobre sua própria realidade, via a figura do professor, para pôr em evidência esse elo fundamental entre texto produzido e texto a produzir, que os alunos conseguem se desenvolver intelectualmente (exercício da capacidade intelectiva). 




E nesse caminho para a aquisição do conhecimento se encontra a literatura, pois não sendo ainda um texto produzido, pronto, acabado como um texto científico, o texto literário dá margem para o leitor (aluno) preencher esses “vazios” com a sua visão interpretativa do mundo, visão esta baseada em sua vivência e realidade. Estas frestas, inerentes ao texto literário e a qualquer produção artística, propicia o desenvolvimento do posicionamento crítico do aluno face a si próprio e à realidade que o circunda, uma vez que o aluno se vê todo ou parcialmente refletido na obra literária (ver-se através de outrem – função especular da literatura). Para motivar o aluno a ler ou a escrever, é preciso que ele se sinta de certo modo ligado ao acontecimento – o tenha vivenciado ou tenha adquirido informações a se respeito. A leitura de uma obra literária propicia o saber crítico, na medida em que não estimula a resignação e sim, a conscientização. 


Participando de encontro pedagógico para troca de experiências em 19-10-1993 na Escola Municipal Professor Leôncio do Carmo Chaves

Daí a importância do professor em salientar o seu objetivo para o aluno, pois é preciso mostrar ao aluno o sentido das coisas. Se o professor pede ao aluno para fazer uma redação, deve-se, então, passar a ele a importância da linguagem escrita como fonte de informação para outras pessoas, e a responsabilidade deste aluno enquanto produtor de seu próprio texto, como autor de uma obra criada por ele mesmo. Pedir para fazer uma redação e dizer que só vai valer nota, não estimula em nada o aluno: “mais uma folha escrita que vai receber uma nota e depois será guardada ou jogada fora”. Portanto, a educação não pode ser separada do processo de conscientização, nem a avaliação deve servir de instrumento cerceador e até mesmo inibidor da aquisição de conhecimentos (construção de um saber crítico). O desenvolvimento de mecanismos que levam o aluno a saber a pensar, é que permite a transformação da realidade em que vive. Tem-se aí o aprender a mudar via estimulação da criatividade e da criticidade.



O verdadeiro objetivo da avaliação é desenvolver uma aprendizagem significativa, crítica e engajada. O saber, apenas enquanto um conjunto de ideias abstratas e ainda despejado ao aluno, sob pressão, não é eficaz. Se, ante da prova este tipo de saber desvinculado do contexto real vivido é desinteressante, sem sentido e até odioso para o aluno, logo após as provas é esquecido.


No cartaz está escrito: "Non scholae sed vitae discimus" (Não aprendemos para a escola, mas para a vida - frase de Sêneca) e "Procure ver a instrução que você adquire na escola como uma preparação para enfrentar os obstáculos da vida".

Falar que o aluno não gosta de estudar ou que não quer saber de estudar é uma mentira. Não se pode generalizar. A maioria das crianças querem estudar sim, só que ao entrarem na escola, se deparam com um sistema seletivo discriminador que não propicia aos alunos, com alguma deficiência em aprender, uma avaliação coerente (e, portanto, mais justa) com o seu processo evolutivo de aprendizado, apesar de mais lento. Todos são avaliados igualmente, sendo desrespeitados, por conseguinte, as eventuais desigualdades no tocante à capacidade de aprender e adquirir conhecimentos. Se todo ser humano é dotado de inteligência, logo todos têm capacidade de aprender, só que uns mais lentamente que os outros. Mas a escola, enquanto reprodutora do aparelho estatal, ignora que mesmo aquele que não tem tanta rapidez e facilidade em aprender, é capaz, se oferecido a ele reais condições de se desenvolver intelectualmente. Daí o grande número de alunos repetentes nas escolas, que persistem na busca de conhecimentos, mas que acabam saindo das escolas, ou melhor, sendo expulsos dela, por não se amoldarem nessa postura autoritária e  discriminadora da escola. E aí a chama do saber se apaga!



Hoje o país vive uma crise educacional, que à primeira vista se coloca como um reflexo da crise econômico-política que a sociedade enfrenta; pois há que se ficar alerta a uma outra crise, porém interna, que é a do choque entre a herança de uma escola tradicional com métodos autoritários (figura do professor autoritário, soberano) e a escola nova com métodos baseados primordialmente na total liberdade do aluno (autoritarismo versus anarquismo – eis o perigo dos extremos!) Mas, por outro lado, é no conflito que se encontra a democracia e não no consenso. Esta crise educacional se revela de um certo modo positiva, na medida em que obriga os educadores a refletir, repensar a avaliação enquanto instrumento de controle e repressão e, consequentemente, assumir um posicionamento crítico em relação ao sistema de avaliação vigente.


Escola Estadual de Uberlândia - uma das mais importantes escolas da cidade de Uberlândia. Minha avó estudou aí e eu também!!! 

Avaliar não é um ato unilateral, solitário, nem tampouco restrito ao interior da sala de aula. É preciso de um intercâmbio entre todas as pessoas diretamente ou indiretamente envolvidas no processo educacional (pais, alunos, professores, orientadores, supervisores, diretores, inspetores de ensino, secretário de educação até o ministro da educação). Se se houvesse uma política mais atrelada à realidade das escolas e suas reais necessidades, sua clientela poderia sobreviver à crise. Repensar o sistema de avaliação em todas as esferas educacionais é preciso, só assim será propiciado ao aluno competência, criticidade e criatividade, através de uma escola com uma nova postura – agente veiculador de um saber crítico, portanto atrelado a uma práxis social.




Vamos parar, pensar, repensar e refletir sobre isso?




2 comentários :

  1. Olá Adriana,
    Vi uma reportagem no Correio de Uberlândia onde você ensina a fazer doce de ambrosia. Minha mãe está muito interessada nesse produto, porém ela quer comprar o de Araxá. Você sabe se aqui em Uberlândia vende esse doce de ambrosia de Araxá? Caso vc saiba e puder me informar... Desde já agradeço! Daniela

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    1. Em Araxá há duas fábricas de doces bem conhecidas: Doces Cecília (telefone 34-3662-3739 – site https://www.docescecilia.com.br/) e Doces Dona Joaninha (telefone 34-3661-2438 - site http://www.docesjoaninha.com.br/). Ambas fabricam a ambrosia de ovos, aquela feita apenas com leite, açúcar e ovos (sem queijo). Você pode visualizar o doce pelos sites indicados. Ele é mais moreninho, feito com açúcar queimado. Este doce também é muito gostoso. Mas a receita que eu ensinei a fazer na reportagem do jornal Correio de Uberlândia é a de ambrosia de ovos com queijo. Minha mãe, certa vez, entrou em contato com o gerente da fábrica de Doces Dona Joaninha, Sr. Luís Augusto, e ele lhe enviou o doce (ambrosia de ovos) por uma transportadora. Ela ficou muito satisfeita. O site traz mais informações sobre entrega. Mas acho que no Mercado Municipal de Uberlândia você pode encontrar este doce. Meu irmão já viu sendo vendido por lá doces da fábrica “Doces Cecília”. Dá uma ligadinha para o Box da Eliana (telefone 34-3236-9341) ou Box do Chico (34-3235-0124) ou Banca do Luís (34-3235-4587), todos no Mercado Municipal, e pergunta se lá eles estão comercializando este doce. Espero ter conseguido lhe ajudar! Boa sorte! Um abraço para você e para sua mãe!

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